É triste sentir às vezes o desleixo

É triste sentir às vezes o desleixo

É triste sentir às vezes o desleixo dum povo que semelha ignorar a sua própria dignidade de nação. Olhar cidadãos que vivem com a ideia de pertença a um estado, aquele que antanho os reprimiu, o mesmo que continua sendo o seu colonizador e que não repara em médios para impor o estado de sitio, se for preciso para salvaguardar o seu império. O abomino, estranhamente sente umas cores que outrora foram a consequência de inúmeros mortos e soterramentos nas cunetas. Ele fala em uma língua alheia, a língua do opressor, e os seus filhos não devem falar noutra. Cortam-lhe as palavras que nascem com a liberdade do ar, da terra. Ainda que haja um idioma próprio para a comunicação, rejeita-o, e acolhe como seu o outro alfabeto forâneo, vinculado à escravidão. E a língua mãe fica acovilhada no lar, envolvida entre as recordações, guindada entre as landras dos carvalhos, soterrada na terra. Coberta, esquecida baixo um intuído pranto de inverno.

Isto é algo que não se entende, mas a crua realidade persiste ininterruptamente neste tempo universal coordenado. Vivemos baixo preceitos, regras, normas...

Moramos na captação evidente que nos atinge. A situação semelha pior que quando era eu rapariga. Então, isto acontecia noutras aldeias, afigurava ser algo distante, que nada tinha a ver com nós. Não obstante agora, o avance do drama estende-se mesmo até a minha aldeia. As novas gerações afastam-se irremediavelmente da nossa língua. As crianças jogam ao ritmo dumas verbas estranhas, apresadas entre os fonemas do carcereiro. Semelha que estamos a sofrer o síndrome do sequestrado. Sobrevivemos infetados pela cronicidade de uma patologia para a qual parece que ainda não se descobriu antídoto, ou possivelmente, não interessa submeter a exame a atuação deplorável da tirania dum estado, aposentado acima das concavidades escuras, onde jazem as vítimas do seu totalitarismo. Obviamente, nesta altura ainda existem muitas feridas abertas, difíceis de cerrar.

Quiçá estamos tão acostumados a esta situação de dependência que já não temos força, ou o pulo necessário para sair da servidão que nos estrangula. Talvez, somos seres adaptados à obediência. Portanto, acredito que despertar em um amanhecer de liberdade não semelha doado para o irredento.

A realidade atravessa o horizonte e inevitavelmente anuvia-nos o futuro. Um futuro abarrotado de cinchas e de cadeias para prender-nos nos calabouços à campo aberto, impostos pelos ditames do sistema.

Não existe nenhuma dúvida de que a nossa terra é atacada por todos os frentes. Cada amanhecer despertamos com a sensação de estar presos num interminável pesadelo. Continuam a ser maus tempos para a autodeterminação. Seguimos frenados com as asas rotas, sem poder voar. A cada intento de liberdade, coartam-nos com uma constituição caduca, pero idónea para a sua conveniência. Com artigos que são incumpridos deliberadamente, sobre todo aqueles que falam do direito à vivenda e a um trabalho digno… mas, sim cumprem aqueles que vulneram as liberdades dos cidadãos. Fazem finca-pé em leis que lhes são adequadas para a opressão. Para o Poder sempre é fácil colocar sentenciadores oportunos, que legislem em concordância com o mando.

Os últimos acontecimentos não fazem outra coisa que evidenciar este facto. Pretendem aniquilar qualquer indício de diferença: cultura, essência, identidade…

Somos o seu objetivo, o pensamento a destruir.

Quando medito nesta reflexão não posso evitar que me decorram bágoas pelas façulas. A perplexidade é enorme e em ocasiões não encontro palavras que possam expressar a indignação que me percorre pelo interior, e às vezes, sinto-me como uma sombra, que vaga na procura duma luz que se perdeu faz tempo.

Extraio do meu livro de poesia “Espelho de mim mesma” da secção “A pedra e a lembrança os seguintes versos:

(…) Este é um povo forte/ onde as éguas parem soas no monte/ Minha mãe grávida/ Transmitiu-me a palavra de seu/ canalizada de jeito umbilical/ e eu possuo-a como a herdança mais prezada/ Por isso, endejamais tremerei/ e engolirei as bágoas ao som de:/ língua de meu, adiante, luta, liberdade!